O Lulismo

O Lulismo

O Lulismo e suas contradições

18.02.2017    JBV Online

Thiago Ingrassia Pereira

I

Estou lendo o livro “As contradições do Lulismo: a que ponto chegamos?” (Editora Boitempo, 2016), organizado por André Singer (USP) e Isabel Loureiro (UNESP). Trata-se de uma coletânea de textos de cientistas sociais que examinam o projeto político a partir da vitória eleitoral de Lula em 2002, especialmente o cenário pós-crise internacional de 2008. Além de recomendar a leitura, compartilho algumas reflexões a partir destes ensaios e de minha experiência como sujeito político e educador.

II

Para o sociólogo Emir Sader (UERJ), o governo Lula foi um “governo híbrido”, ou seja, manteve uma política conservadora em termos econômicos e progressista em termos de políticas sociais. Em termos econômicos, o principal resultado desse projeto foi que os “de cima” ganharam, assim como os “de baixo”. Equilíbrio, então? Talvez, a “classe média” não concorde. Contudo, pelos indicadores econômicos, é inegável que o mercado de trabalho formal foi aquecido, produzindo maior consumo. Comprar carro, andar de avião e passar férias na praia parecia mais ao alcance das pessoas em geral.

III

Não só o consumo, que gerou grande endividamento médio das famílias, mas a possibilidade maior de acesso à formação universitária e profissional, com a expansão das universidades federais e institutos federais, mais o ProUni e o FIES, construíram uma sensação de que as coisas melhoraram, que o país ia bem. Com a economia aquecida propiciando ganhos para diferentes segmentos sociais, a popularidade de Lula chegou a índices estratosféricos. Os aumentos reais do salário mínimo, as políticas de renda mínima (Bolsa Família), o PAC fomentando grandes obras estruturais, o crédito para o setor imobiliário (Minha casa, Minha vida), entre outros projetos, comprovadamente diminuíram nossa vergonhosa desigualdade social.

IV

Nesse cenário de crescimento, até mesmo a crise do “mensalão” não foi suficiente para arranhar a imagem de Lula. Se ele sabia ou não, pouco importava a quem comprava um carro zero ou programava férias, mesmo que em dez parcelas com alguns juros. Crise política sem crise econômica é uma “marolinha”. Tsunami mesmo é quando temos essa combinação de crises e, certamente, Dilma, que é parte do Lulismo sem ser Lula, foi arrastada pela onda gigante que foi formada dentro do Congresso Nacional e ganhou as ruas turbinada por setores da grande mídia nacional. A corrupção incomoda mais com o bolso vazio.

V

Com Lula, o Estado voltou a ser protagonista de políticas públicas, o Brasil ganhou espaço na diplomacia mundial e até indicação para ser sede de Copa do Mundo e Olimpíada conseguimos. Quando Barack Obama disse que Lula “era o cara”, não estava brincando. Então, por que o mocinho de ontem parece ser o bandido de hoje? O que mudou? O Lulismo não resiste sem Lula? Pelo jeito, o Lulismo de Dilma foi mais eleitoral do que programático. Não foi Dilma que inventou a coalização entre o PT e partidos de centro-direita. O vice-presidente de Lula era do extinto Partido Liberal (PL) e o PP era integrante dos ministérios desde sempre na Era Lula. Ah, o nosso presidencialismo de coalização... Em nome da governabilidade, o “toma lá, da cá” de sempre foi assumido pelo Lulismo.

VI

Gênio político? Corrupto como os outros? Nova versão do “Pai dos pobres”? Chefe de uma quadrilha? Talvez, Lula seja tudo isso e por essa razão é que sua figura não passa despercebida, seja por quem o ama ou por quem o odeia. O Lulismo é a expressão de um projeto de país e de seu líder carismático, retirante, operário e político habilidoso. O Lulismo recebe críticas à direita e à esquerda. Para uns, o projeto de alianças com a burguesia e a cooptação dos movimentos sociais é intolerável para um governo de esquerda, para outros, o projeto comunista levaria o Brasil ao caos. Os tons vermelho e amarelo disputaram as ruas nos últimos tempos. Aliás, segundo pesquisas, essas duas cores são associadas ao prazer. Contudo, na real, nosso país anda meio laranja.

VII

Estava pensando aqui: Michel Temer não seria uma expressão genuína do Lulismo? O político do PMDB é parte da estratégia de coalização, da governabilidade. Ruim com o PMDB, pior sem. Mas, pior para quem? Melhor para quem? Confuso? Bem, não vivemos tempos fáceis. Como educador e militante pela educação pública de qualidade, eu mantenho uma postura crítica ao Lulismo, pois me intrigava as alianças e a lógica perversa de “fazer mais com menos”. Contudo, nesse cenário de “quase” pós-Lulismo, me deparo com a luta pela permanência do pouco que conquistamos na última década. Meus colegas petistas me chamavam de “direita” por criticas o Lulismo. Hoje, muitos me enxergam como “esquerda” por combater o golpismo de Temer e o retrocesso nas políticas sociais. Penso que está na hora de superar as contradições do Lulismo e barrar a avalanche conservadora em curso no Brasil. Temos que reinventar a esquerda.

Thiago Ingrassia Pereira - Professor da UFFS Campus Erechim

 

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