Sobre a corrupção

Sobre a corrupção

Dois quadros sobre a corrupção

      O Brasil é um laboratório social. O observador pode formular hipóteses e esperar algum tempo para vê-las comprovadas ou refutadas. Em 2016, como cronista e cientista social, arrisquei algumas especulações: a corrupção não era o motivo central das manifestações contra Dilma Rousseff; em caso semelhante envolvendo um presidente de direita não se teria os mesmos manifestantes nas ruas pedindo sua saída; cada partido tem seus corruptos de estimação (título de meu livro); a destituição de Dilma se daria com base em um pretexto, as pedaladas, aceito por um presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, desejoso de vingança contra oponentes, capaz de dar aparência de impeachment a um golpe; motivo mais robusto não seria acolhido em se tratando de um representante das oligarquias como Michel Temer.

Dito e feito. A confirmação das hipóteses foi mais rápida do que eu esperava. Lacerdinhas ou coxinhas que vociferavam contra a corrupção no governo Dilma hoje silenciam ou buscam justificativas para aliviar a barra de Temer. As associações empresariais que clamavam por honestidade agora lançam manifesto dizendo que o Brasil das reformas não pode parar (leia-se, por tão pouco). O Brasil mudou? Paulo Maluf (PP), decano dos corruptos de estimação, foi, enfim, condenado por uma turma do STF à prisão fechada e perda do mandato de deputado federal. Pode recorrer. Acabará ficando em casa por ter 85 anos. O mandato já não lhe faz falta. Os pepistas não se incomodam com ele. Os petistas sonham com a volta de Lula. Os peemedebistas morrem pela boca em defesa de “Michel”, aquele que na foto oficial da chegada ao poder prometia transparência ao lado de Romero Jucá, Moreira Franco, Henrique Eduardo Alves, Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha.

Os tucanos viram a carreira de Aécio Neves derreter e virar pó. Mas ele ainda é um corrupto de estimação a ser protegido. Ninguém fala em expulsá-lo do ninho. O nome sonhado pelo PIB para tomar o lugar do estorvo Michel Temer é o do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que até 2016 era braço direito de Joesley Batista como presidente do conselho de administração da JBS. Certamente ele dirá que não sabia de nada dos negócios escusos do grupo e dos patrões. Será Meirelles o ignorante de estimação da mídia e do mercado? Temer aceitará entrar para a história como aquele que roubava (é acusado pelo delator de receber propina) mas fez as reformas trabalhista e previdenciária?

Já posso dizer que minha hipótese principal foi confirmada: o que define o Brasil? O fato de ser o país dos corruptos de estimação. Todos os blefes foram desmascarados. Até quem vibrava com revelações de grampos ilegais – de políticos ou de jornalistas – hoje condena a arapongagem de Estado policial. Num passe de mágica – estava aqui já não está mais – tudo se inverteu. O acusador virou acusado. O moralizador afogou-se na própria sujeira. Só os corruptos de estimação são sólidos e não desmancham no ar. Ninguém quer se desapegar do seu. Brasília arde. O governo reprime.

Só não pode apagar fatos e vozes.

O homem que comprou a República

      A imodéstia, por vezes, é uma obrigação moral. Tudo o que este humilde escriba disse nos últimos anos se confirmou. Muitos, por impossibilidade ideológica de perceber nuanças complexas, não compreenderam o que estava sendo dito. A direita tentou construir uma narrativa simples: a esquerda teria inventado a corrupção no Brasil. Esse truque foi aplicado com êxito em 1954, em 1964 e 2016. Mas não passava de uma mistificação. O petismo entrou no jogo. Tornou-se parte do clube. Como era óbvio, PMDB e PSDB eram grandes players – palavra do gosto do mercado – da corrupção. Michel Temer, mandachuva peemedebista, não podia não saber das falcatruas operadas nas sombras.

Temer não apenas sabia como, segundo seus delatores, comandava cem por cento dos negócios e guardava uma parte para uso pessoal. Joesley Batista transformou a delação de Marcelo Odebrecht em brincadeira de criança. O dono da JBS acrescentou ao seu relato um item que andava fora de moda: a prova cabal. Gravou Michel Temer num encontro na calada da noite e para complementar apresentou notas e planilhas. Repito: o título da obra pode ser: “Um gângster no Jaburu”. Qual? A esquerda não sai menos enxovalhada do episódio. Pode, ao menos, saborear o fim de uma mitologia que iludiu a parte mais ingênua da população brasileira, aquela que se vestiu de verde-amarelo, fazendo de Aécio Neves paladino da modernidade e da moralidade e de Michel Temer uma solução conveniente e um reformista sustentável.

Joesley Batista comprou e sepultou a República. Os senhores do PIB, que amavam Aécio e empossaram Temer, já articulam a candidatura do ministro da Fazenda Henrique Meirelles para a presidência da República. Aviso aos incautos: Meirelles foi até 2016 braço direito da JBS. No grande teatro da hipocrisia, movimentos que se tornaram conhecidos na defesa da defenestração de Dilma não foram às ruas no domingo pedir a saída de Temer. Kim Kataguiri, líder do MBL, declarou pateticamente na Rádio Guaíba: “Vamos ver se existe de fato uma prova mais contundente contra Temer, aí pressionaremos com mais força os deputados”. Caiu a máscara. A luta nunca foi realmente contra a corrupção, mas contra o petismo e sua ideologia dita assistencialista.

Ao contrário do que imaginavam os apressados, a corrupção generalizada não unificou o Brasil. Boa parte dos que se manifestavam contra a corrupção no governo Dilma não encontraram razão suficiente para voltar ao espaço público e pedir a saída do cadáver político que apodrece no Planalto contando o vil metal. O mercado ainda reflete. O seu negócio são as reformas. Se der para aprová-las com Temer, seguirá o baile de máscaras. Não dará. O aliado de hoje será rifado amanhã. O Brasil está nas mãos do TSE de Gilmar Mendes, que, em junho, poderá cassar a chapa Dilma/Temer e desligar os aparelhos que seguram o desenganado. O Judiciário e o MP tiveram o seu quinhão: um procurador e um juiz, ao que consta o mesmo que mandou fechar o Instituto Lula fingindo agir a pedido do MPF, “segurados” por Joesley. Críticos da dissimulação aderiram ao “eu não sabia”. Até alguns gaúchos, tchê!

 

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